quinta-feira, 24 de maio de 2012

Os fantasmas do Pulador.


Os fantasmas do Pulador.


“Este conto ficcionista, inspirou-se na leitura dos livros Combates da Revolução Federalista em Passo Fundo e o Massacre dos Porongos & Outras Histórias Gaúchas, ambos de autoria do historiador Paulo Monteiro. Foi dada relevância especial à Batalha do Pulador”


É...O fim está chegando. O velho gaúcho, já gasto pelo tempo, curtido pelas intempéries, teve esse pressentimento naquela quarta-feira. Fez suas orações para sua santa, Maria Pequena, com uma devoção muito maior do que nos outros dias, e até pensou, que, talvez, o momento de falar-lhe pessoalmente estivesse próximo.
Mas, de qualquer maneira, fosse qual fosse o sentimento de epílogo, iria manter a mesma rotina de muitos anos, prazer que se lhe impusera, muito embora, soubesse que no retorno levaria uma tunda de laço de sua companheira. Fazia parte do ritual.
Apanhava sorrindo as chicotadas desferidas com rabo de tatu, vara de guamirim, ou até de piaçava, tinham um significado. Fora, e voltara. Abusava dos prazeres da cama, da comida, da bebida, e como todo o borracho, voltava aos braços da mulher amada. E ela sabia disso.
Também, entendia como justo, chegava ao amanhecer no rancho, tapado de canjebrina, com aquele cheiro, inconfundível do chinaredo e sem nenhum pila na guaiaca. E por que não, então, carinho da chibata, tendo como algoz, a mulher de sua vida. Não sabia dizer que prazer maior: a ida, o resfolego no puteiro, ou o afago do retorno.
 Nos dias posteriores, a vida seguiria igual, ali no fundão da Estância dos Mellos, onde nascera, se criara e teria seu fim. Levantava com o nascer do sol. Fazia a recorrida no campo branqueado de geada, desempenhava a lide campeira, voltava             a tempo do amargo, doce com a presença dela. Sem conversa. Entendiam-se assim. À tardinha, nova campereada, e o açoite do minuano a fustigar-lhe o corpo. Volta ao calor da casa.
E isto, dia após dia. Até que o próximo ano chegasse, e a cada 27 de junho, nunca soubera o porquê, seria novamente, sua redenção, combustível na medida para alimentar-lhe a alma e o corpo. E deixá-lo pronto para a faina que se seguiria. E isto, ano após ano.
Na tardezinha, antes do pôr do sol, partiu, zaino encilhado, bons pilas na guaiaca, barba aparada, melena gominada, exalando água de cheiro pelo corpo, espingarda e arma branca a mão.
E ei-lo, ali, na bailanta da Papagaia, pertinho da Raia do Toco. Corria à boca grande na comunidade libertina campeira que aquela casa de tolerância era abençoada com a presença rotineira do padre Ramos, que inclusive teria ali uma afilhada exclusiva, sem pecados, por certo.
Antes, como sempre, passara no povoado, acertara as contas com o Juca Tigre, dono da bodega, negociara uma carga de melancia, atualizara as notícias e tomara um bom trago para aquecer a alma e abrir as idéias.
Aquela noite estava sendo ímpar. Tivera, desta vez, atenção especial da dona do bordel, que lhe concedeu os serviços de uma novidade, Mercedes Delatorre, castelhana, linda, sensual, que estava estagiando na casa, provinda da fronteira, e que, o alimentaria naquela noite.
Outra não poderia ser melhor. Fina, experiente na profissão, vinte tantos anos na lide e, com certeza, conduziria o embate de forma que o gaúcho, já na “capa da gaita”, pensasse que tivesse tido desempenho a contento. Ah! Y aquel acento dábale algo singular. Valorizaba el entrevero por entre los pelejos.
E o destino a colocara ali, naquele momento, a oferecer-lhe a oportunidade de uma boa ação, conceder prazeres simbólicos àquele ente necessitado de afirmação  e curtir, talvez, nesta vida, pecados de uma outra.
E assim foi... Chegara a hora da volta. Aquela noite, especialmente fria e escura, madrugadita, cabaré vazio, só ele, o gaiteiro que não se dera conta do final da noite e seguia, dormindo, dedilhando a sanfona encardida, gaguejando a mesma vanera preguiçosa, sem mudar, e as gurias, na varanda, protegendo-se do minuano, acompanhando a triste partida, certificando-se que o taura conseguira montar o zaino.
E ele tapado de canjebrina, seco dos pilas, com o inconfundível cheiro do chinaredo, agora especial, de uma estrangeira, digna de uma despedida. Campante da vida. Como sempre, pensara, não negara fogo.
A medida, que se afastava, agarrado ao pelo do parceiro, conseguira olhar para trás e perceber, ainda, os abanos de suas irmãs, e as chamas, trêmulas, dos candeeiros, definhando. Como ele.
Pocotó... pocotó... pocotó...
Agora passaria o velho atalho até seu rancho, chegara no limite do campo mal assombrado e como num passe de mágica o efeito da cachaça passara e, ele inconscientemente, empertigara seu corpo franzino, empunhava sua espingarda taquari e a faca solinger da Tramontina, tal qual um oficial farroupilha, e invoca Maria Pequena, não para protegê-lo, mas para dar-lhe força para o combate, se este se lhe oferecesse, e o fim, fosse qual fosse, desde que com valentia.
E o cavalo, de matungo, assumia o porte de um árabe, digno do nobre que levava.
Este não falava, mas entendia o que seu dono queria dizer. E estava pronto para tudo, inclusive oferecer-lhe seu corpo como muralha amiga, para protegê-lo.
O transcorrer daquele percurso era mágico, ambos, cavaleiro e cavalo, sestrosos, sentiam, sons da artilharia metralhando seus inimigos, investidas de infantaria, homens terceando ferro, gemidos e gritos de dor e de guerra, cavalaria fustigando. Avançar! Recuar! verdadeira batalha campal, estupidez de uma luta fratricida.
Daí a posição de “em armas” assumida, por cavalo e cavaleiro.
Mas, o sentimento procedia. Não viam, mas, eles estavam ali, fantasmas combatentes, republicanos e federalistas, protagonizando aquela luta feroz e a contenda só cessava num momento, como aquele, para que, Blau desfilasse, naquele palco, a 27 de junho de cada ano... E as tropas, ensangüentadas, suarentas, fedidas pelo entrevero, cessavam a insanidade da refrega e prestavam continência, reconhecendo um dos seus, ao som do clarim guerreiro.
E Blau, num gesto consciente, que pensara sempre como loucura assumida, não sabia para quem, nem por que, tapeava o chapéu, levava a palma da mão, trêmula, à fronte, respondendo um cumprimento militar, e o cavalo, agora puro sangue, acompanhando o cerimonial, marchava solenemente por entre os espectros guerreiros.
Estes minutos, necessários para percorrer aquelas poucas braças, cobertas de macega, enfrentando o corte do capim cola-de-burro, serpenteando banhados e valos, circundado por mata, eram intermináveis, para os vivos e os mortos.
Gracias Maria Pequena... pensara Blau, conseguira chegar ao fim daquela  jornada, no limite do alambrado, não que este tivesse marco, mas sim porque percebia, como sempre, os quero-queros como que o aguardando, em distância que os protegesse de balas perdidas e, escoltavam, então, o gaúcho velho, agora bêbado novamente, em segurança, até seu rancho.
E tão pronto, seu cavalo agora assumindo sua condição de matungo, transpusesse as patas do limite invisível do campo de batalha, a luta insana, sanguinária, retomava toda a ferocidade, até que um vencedor [quando?] fosse definido.
O agora capitão Blau, assistira tudo de cima.
Não se reconhecera. Meu Deus! Aquele corpo desminluinguido era dele.
Viu a chegada de sua companheira de manhãzinha, alertada pelo vôo rasante e o palavreado dos quero-queros esganiçando um rekue etern, avisando que algo de anormal acontecera.
E a mulher, miúda, silenciosa como sempre, dobrou-se sobre o corpo inerte e frio de Blau e chorou, resignadamente.
Acompanhou seu próprio féretro, caixão pobre sobre uma carroça, até o Cemitério da Cruzinha, acompanhado pela sua mulher, toda de negro, e de seu filho Aparício que viera da Estância dos Cunhas, de Ponche Verde, para o infausto, e que ficaria ali acompanhando a mãe e assumiria a mesma rotina de Blau. Toda...
Mais não viu. Retirou-se, ansioso para apresentar-se a seu comandante, e retomar seu lugar, na Batalha do Pulador, ali, no campo dos Mellos... Quem o aguardaria, que forças reforçaria, a que general prestaria continência? Rodrigues Lima ou Gomercindo Saraiva?
A cerimônia fora breve, poucas palavras do padre Ramos. Naquela vida, Blau, nem biografia tinha. Pouca coisa a dizer.
Aparício, agarrando sua herança, espingarda e arma branca, perguntou à sua mãe, já pensando em seguir os passos de seu pai; “onde fica a venda do Juca Tigre?”. Começaria por lá.
Montou no seu cavalo, apertando-lhe levemente suas ilhargas; “vamos Pica-pau!”, imprimindo mudança na marcha, mais acelerada, quase num trote, agora galopando, varando aquele campo tapado de capim cola-de-burro, com o vento frio a pentear-lhe as melenas, gritando Biiiuuhhhhhuuuuuuu! Chinaredo, aguarde-me.

Não pense ele que sua condição de galo novo ciscador seria passaporte, para incólume, passar pelo atalho. Faria sim continência sem saber a quem, cavalo e ele sestrosos assumiriam posição “em armas”, e sentiriam que algo acontecia ali, doutro mundo, clamaria sim pela proteção de Maria Pequena e que num futuro seria um deles. Junto ao capitão Blau ou não?
 Mal sabia ele que de seu pai herdara não tão sòmente armas, mas também a têmpera e o destino...


Autor; Miguel A. Guggiana
Ilustração; Leandro Doro
















domingo, 20 de maio de 2012

Made in Santa Cruz do Sul



Este relógio Europa fez parte de uma negociação direta com o Diretor Presidente da empresa KOISAVÉIA, que se vê  posando na foto em seu “Studio”  quando do Brique da Praça, realizado dia 06-05, na cidade de Santa Cruz do Sul.


Na verdade, entrou de contrapeso na compra de uma balança que mais adiante postaremos.
Passou por um trato e revisão, apresentando tic-tac perfeito.

Quando que voces imaginariam Augusto dos Anjos e Nat King Cole juntos?! Isto acontece neste blog. Leiam e escutem.

Debaixo do Tamarindo - Augusto dos Anjos - Poesia.

Debaixo do Tamarindo
Augusto dos Anjos

No tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como uma vela fúnebre de cera,
Chorei bilhões de vezes com a canseira
De inexorabilissimos trabalhos!
Aquellos ojos verdes
http://www.youtube.com/watch?v=I3m4ykXaN1I

Hoje, esta árvore, de amplos agasalhos,
Guarda, como uma caixa derradeira,
O passado da Flora Brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos!

Quando pararem todos os relógios
De minha vida e a voz dos necrológios
Gritar nos noticiários que eu morri,


Voltando à pátria da homogeneidade,
Abraçada com a própria Eternidade
A minha sombra há de ficar aqui!


segunda-feira, 14 de maio de 2012

La Bella Polenta




A polenta é sempre lembrada na trajetória e história dos italianos natos e seus descendentes como a comida símbolo, presente diariamente à mesa. Causas prováveis; talvez pela falta de opções na época, pela facilidade da obtenção de sua matéria prima, habito alimentar original, capacidade de fornecer a energia necessária para a dura jornada de trabalho, ou ainda, todos estes motivos entrelaçados.

Sejam quais forem às razões a verdade é que é impossível dissociá-la desses imigrantes, laços que ainda são mais fortalecidos quando buscamos a letra e melodia da canção popular, La Bella Polenta, que definitivamente, através da música, cristaliza essa relação.

Diz-se que para ser autêntica deve ser feita na polenteira, termo “abrasileirado” para referir-se a PAROL ou CAIEIRA, panela de ferro redonda, como as dos retratos, garimpadas em Ronda Alta/RS, e que hoje fazem parte de meu acervo.





A preparação em sua receita clássica,
pelos motivos citados toma dimensão litúrgica,
embora simplesmente consista na  adição de
farinha de milho e sal à água quente, 
devendo ser mexida  com esforço e
paciência no inicio do cozimento, 
condição  indispensável para que
mantenha uma consistência uniforme.
Após, de acordo com a sensibilidade
culinária do cozinheiro, é necessário
repetir a operação a fim de evitar que queime.
Decorrido determinado tempo,
um pouco mais ou menos, mais prá menos,
ou menos prá mais, ou mais ou menos,
dependendo da intensidade do fogo,
e alguns segredinhos de cada um,
considera-se “piatto pieno ”.
Coloca-se sobre a mesa e “bono apetitto”.”
Facile?! Si. Cosi, cosi. Como  dite le none”.




Para qualificar nosso arrazoado nos socorremos de alguns versos, de autoria desconhecida, que sintetizam de forma saborosa e definitiva a representatividade de uma “bella” polenta;
Escute:http://www.youtube.com/watch?v=WgYdQsO-C4I
“Massa quente, mole, amarela,
Ferve lentamente, borbulha na panela
Para quem quer comer, haja paciência
Porém degustar a polenta, que experiência!

O calor naquela panela é infernal
Borbulha, borbulha, num ferver sem fim
Gruda e cria uma casca no final
Quem tem até disputa, deixa isto para mim!

Autor: Miguel A. Guggiana
Ilustraçao: Leandro Doro







segunda-feira, 7 de maio de 2012

Balança de Precisão



Identificação........... MOD A.D.2
Fabricação.............. Stantion Instruments Ltda – made England –
Época………………….. 1950/1960
Tipo…………………….. braços iguais – eletro mecânica – leitura analógica
Esta balança foi garimpada no “Lojão do Pedro Fogão”, em Ronda ALTA/RS. Seu estado de conservação estava perfeito, não requerendo restauração. Limpeza, sòmente.
São suas características: dispor de pesos próprios para realizar a pesagem e lente de aumento para facilitar a leitura; fabricada em aço inoxidável e montada sobre base de pedra negra; protegida de corrente de ar por caixa de madeira envidraçada; com dispositivo de nivelamento, constituída por nível de bolha e pés de altura regulável. Sua utilização seria em hospitais, laboratórios, farmácias.
Consta plaqueta fixada registrando o nome da empresa Henrique Merenholz Soc. Oftalmo – Científica  Ltda, fone 52.7713 – Rua México, 21 / 15º R.J. Supomos importador ou distribuidor do equipamento.
Sabem quem são nossos convidados nesta página; Fernando Pessoa e Los Iracundos. Olha só o prestígio desse blog! Bah!

O Amor

amor quando se revela
Não se sabe revelar
Sabe bem olhar pra ela
Mas não lhe sabe falar.
http://www.youtube.com/watch?v=4Mbg_L_OSOA&feature=fvsr

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar

Mas quem sente muito cala
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala
Fica só inteiramente.

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar
Já não terei que contar-lhe
Porque lhe estou a falar.

Fernando Pessoa

Autor: Miguel A. Guggiana


quinta-feira, 3 de maio de 2012

Culto à Maria Pequena


Culto à Maria Pequena

 Li. Reli. Folheei. Voltei. Voltei a voltar. Não satisfeito entrei em contato com o autor. Instiguei. Inquiri. Com as respostas, li. Reli. Voltei a voltar. Escrevi. Combates da Revolução Federalista em Passo Fundo e O Massacre dos Porongos & Outras Histórias Gaúchas, de Paulo Monteiro, são livros interessantíssimos, que não se atém sòmente ao resgate de fatos da história rio-grandense, que envolveram estudos, pesquisas, mas, também, principalmente, pelas considerações críticas.
Dentre tantas alternativas de leitura oferecidas nos exemplares pinço duas, que mereceram minha especial atenção, e que considero entrelaçadas, consequentes, além de terem como palco a cidade de Passo Fundo: Batalha do Pulador e A Primeira Santa Popular Passo-fundense.
Desde já, a preferencial e objeto desse texto, esclareço, pelo inusitado, pela singularidade, está nas linhas traçadas pelo historiador e que contemplam a figura da primeira santa popular passo-fundense. Se bem que, repito, entrelaçadas e consequentes, independentes de gosto.
Não podemos desconsiderar o entorno.
O primeiro evento, efetivado em 27 de junho de 1894, segundo a manifestação do autor, foi o episódio mais sangrento, violento, “pelo número de homens envolvidos na ação, o poder destruidor do armamento empregado e a quantidade de mortos”. Porém, decisivo para o desfecho da Revolução Federalista.
Depois, disso, escaramuças, tiroteios, entreveros isolados, com a mesma gana homicida entre os beligerantes, com atos, de ambos os lados, que não poupavam homens, mulheres e crianças, atrocidades injustificáveis em qualquer contexto histórico.
Pouco tempo depois, seguindo seus registros, e numa dessas operações vingativas – a viram, consequentes, entrelaçadas –, nos vemos em 28 de novembro de 1894, quando um piquete maragato, procurou pelo marido, este integrante das forças pica-paus, e o filho, adolescente, de Maria Meirelles Trindade, conhecida como Maria Pequena.
O resultado, visto que Maria Pequena se negara a informar o paradeiro do marido e filho, foi sua morte violenta, praticada de forma covarde, e que culminou em degola, após punhaladas desferidas numa ação “em que os algozes seguraram seus cabelos lisos, que foram puxados para trás, deixando a garganta exposta. E a filha da índia Marcelina Coema sentiu a veloz ardência de uma faca, aparando as jugulares. Correu alguns metros e caiu de bruços, pois assim acontecia com todas as vitimas desse bárbaro martírio”.
Foi sepultada ali mesmo, às margens do Arroio Raquel.  Nas palavras do autor “sobre sua sepultura simples, foi colocada uma cruz. Daí Cemitério da Cruzinha. Mais tarde almas devotas edificaram uma sepultura de tijolos pintada de azul”. Ao redor do túmulo, a partir da sua morte, defendendo um filho seu, adolescente, foram enterradas crianças pequenas “anjinhos, como se dizia à época”.
À Maria Pequena, então, passaram a atribuir milagres, criando-se no entorno de seu túmulo, visitações, oferendas de flores e velas, transformando-se numa espécie de santa protetora das crianças.
Nascia, aí, a primeira santa popular passo-fundense.
Com o crescimento da cidade, aquele cemitério foi desativado e os restos de Maria Pequena depositados na Catedral, sob o altar-mor, por iniciativa de um pároco, até que se construísse um mausoléu no Cemitério da Vera Cruz. Isto já na década de 1950.
O tal de mausoléu nunca foi construído. Prá que? Alimentar um culto a uma “bugra”, filha da índia Marcelina!
Até aqui, não textualizo nada de novidade, pois estes acontecimentos são registrados com riqueza de detalhes nos livros citados e em contatos informais com o historiador. Até, de certa forma, arrisco-me a cometer alguma incorreção.
Mesmo assim, sigo adiante.
Embasado nesses fatos permito-me lançar algumas considerações e hipóteses, que poderão ser confirmadas, discutidas, contestadas, mas que tenciono, trazendo o tema à baila, atualizar a personagem e reconhecer na figura desta “uma forma de manter a memória das mulheres vitimas da Revolução Federalista entre nós”.
Podemos dizer que:
– Seu tempo de veneração foi relativamente longo, desde sua morte em 1894, até, no mínimo, a década iniciada em 1950, quando seus restos foram transferidos para a Catedral. Não fosse esse reconhecimento, não teria tido essa deferência. Teria tido o mesmo destino comum a todos os corpos que estavam no Cemitério da Cruzinha.
– Durante esse período a Igreja “conviveu” com a existência de uma “Santa” na cidade. Com naturalidade conveniente? Contestatória? Neutralidade deliberada? Importante salientar o poder da Igreja, à época, e impossível não admitir que a existência de Maria Pequena, com reconhecimento popular a seus poderes, não fosse alvo de suas discussões.
– O recolhimento de seu corpo à Catedral, indiscutivelmente foi incomum. À primeira vista caracteriza uma admissão da Igreja, não quanto à santidade de Maria Pequena, mas a sua importância no ambiente religioso da comunidade popular. Sob outro prisma, pode ser a intenção de tirá-la do foco, eliminando seu culto, confinando-o num local sob seu controle, e que não permitia visitações, colocação de adereços, agradecimentos à graças recebidas, atitudes comuns nesses casos.
– Que pessoa, pessoas, entidades, tiveram a iniciativa de depositar os restos de Maria Pequena na Catedral? Recolhe-la teria sido uma ação isolada de um pároco? Teria poder para tal?
Já estava prestes a encerrar quando recebi de Paulo Monteiro, instigado a falar sobre o assunto, texto que me deu mais combustível para considerações na mesma linha.  “A ‘elite’ da cidade, herdeira dos pica-paus, não via com bons olhos o culto a uma santa degolada, por um piquete de federalistas... tanto isso é verdade que alguns faziam passar a ideia de que ela era uma prostituta, o que não era verdade”.
Hipótese novamente:
– A população em geral, não discriminava a Santa em função de facção política. E com o transcorrer do tempo, animosidades teriam sido absorvidas, e contestações mais profundas partiriam das “elites”.
Ainda sobre o tema, olhem só o que o escritor me presenteou depois dos comentários acima, e que registro sem preocupação de encaixe no texto, mas precioso demais para dormir na memória de meu computador.
Compartilho, pois:
“Agora, imagina a seguinte situação: A ‘elite’ republicana era formada por descendentes de homens que massacravam os índios para tomarem suas terras. Tanto que o primeiro aldeamento (depois reserva) indígena do Rio Grande do Sul (Nonoai) surgiu no município de Passo Fundo. Uma ‘bugrinha’, uma ‘china’, filho de branco e índia, é degolada e transformada em santa popular. E se a reunião em torno dessa ‘bugrinha’ se transforma num movimento de contestação à ‘elite’. Enquanto os ‘capitães’, ‘majores’, e ‘coronéis’ republicanos enciumados de suas mulheres, mandaram degolar o próprio Padre Ramos, Maria Pequena era santificada pelo povo. E olha que vivíamos numa sociedade racista. Os negros, os índios, e os mestiços eram considerados “raças inferiores”. Essa era a ideologia da época. É claro que precisavam desmoralizar a pessoa da Maria Pequena, para enfraquecer e destruir o seu culto”.
Perceberam situações entrelaçadas, consequentes.
À medida que avançava no tema, furungando suas nuances, recebendo do escritor valiosas contribuições através de sua fala escrita e pensante, e, pasmem, da própria Maria Pequena clamando “estou aqui! estou aqui!”, pedindo passagem na história, caminhei nas linhas mais do que pretendia inicialmente.
Quando que aquela bugra, índia, pobre, mas nossa, vitimada por facínoras a beira de um arroio iria imaginar que inspiraria culto, contestações, pesquisas, estudos, polêmicas, talvez, e que teria a capacidade de estar viva depois de morta?!
Vitimada não foi só ela. Parte de nossa história também. Enfim...
Bem, agora sim encerro, certamente não por falta de fatos novos.  Fica, aqui, um apelo, no sentido de resgatar a memória da corajosa Maria Pequena, até aqui então, defendida de forma solitária pelo historiador Paulo Monteiro, não pela sua “santidade”, mas pela que representa na história de nosso município.
Homenagens, deferências, atribuíram-se a tantas outras figuras desse entorno histórico.  Discutíveis.
Por que não à grande Maria Pequena?!
Como? Não sei. Tu sabes? 

Autor: Miguel A. Guggiana
Ilustração: Leandro Doro

terça-feira, 1 de maio de 2012

É a Cara do Pai!

                                                                      Torresmeiras  eram sempre presentes no dia a dia dos imigrantes,
                                         italianos e alemães  e simbolizavam  a preocupação com o aproveitamento integral da carne suína e seus sub produtos.
                                                                                                    Fabricação estimada como sendo na década de 40.

Natal de 2011, meu filho Oscar disse que já tinha escolhido meu presente.
Pai, é tua cara”.
Bati os olhos e disse, é o próprio”, confirmou sua cúmplice, Juliana.                 
Quando fui visitá-los em Santa Cruz do Sul,  recebi o prometido.
Entre estupefato pela ilação  entre objeto presenteado e receptor, eu,  entusiasmado vendo uma preciosidade daquelas,  relevei  a comparação, creditando-a  a uma simbologia de linguagem.
Traduzi a expressão como sendo uma mensagem de carinho.
Hoje , admirando a peça, aqui entre nós, não posso negar, admito; “é a minha cara”.
Uma  rara torresmeira de meu tempo de infância!
Mas mesmo reconhecendo a  mensagem carinhosa nas entrelinhas, ficou lá no fundo um quezinho ; “a cara do pai”. E tinha que ser uma torresmeira!  Uma torresmeiraaaaaaaaa!!!!
Requer uma contrapartida!
Fui me socorrer com  Ivon Cury, que lá pelos anos de 1950 fez sucesso nas rádios, como cantor e compositor, e achei  na letra de uma de suas músicas, a medida certa para uma vingança afetuosa.
A partir daquele achado pensei; se pareço uma torresmeira, se meu filho se parece comigo, ele tem alguns traços da dita cuja, portanto... nós três temos algo em comum. A cara do pai.
A cara do pai
De tanto trabalho
O seu nascimento
E foi um tormento
Um Deus nos acuda
A mãe aflita
Todo mundo ajuda
No fim ele sai
A cara do pai

E prá mãe coitada
Tão sacrificada
Não há elogio
Todo mundo vai
Dizendo baixinho
“Mas que bonitinho
Está tão gordinho,
É a cara do pai”
e por aí vai........
Ouça....
 











Autor: Miguel A. Guggiana
Ilustraçao: Mauricio Cartunista