terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O Mundo Cabe Numa Cadeira de Barbeiro


Este é o título de documentário roteirizado e dirigido pelo jornalista José Roberto Torero.   O texto da sinopse nos diz que “entrelaça a história da vida de seis imigrantes, representantes de diferentes grupos no século XX; espanhóis, italianos, japoneses, portugueses, sírios e bolivianos.  Sentados numa cadeira de barbeiro, eles narram episódios e nuances de sua chegada e nova vida na capital paulista”.
Certamente essas pessoas, provenientes de diferentes origens, calejados pelas dificuldades, ouviram ou contaram ao barbeiro “ histórias cômicas, trágicas, curiosas”.
Bem, se chegaste a ler até este ponto, certamente seduzido pela amplitude do titulo, minha intenção foi alcançada.
A chamada  é realmente sugestiva e dá vaza ao nosso imaginário, permitindo  criar a versão que desejarmos.
Então, nessa intenção, convido-o   deixar de  lado o enfoque  supostamente mais sério  e realístico do jornalista, sentando numa dessas cadeiras, fechando os olhos, sentindo  aquele ambiente característico recender  a perfume, Atkinsons, ou, talvez, Água Velva. Escolha, ao seu gosto e vamos viajar no imaginário.
Passeie no tempo, idealize  o perfil de nosso barbeiro,  atualizado nas questiúnculas do local, interlocutor e mediador  de boa prosa, como o bonachão  que a conduz  de forma   humorada, com roupagem interiorana, que completa todo tipo de fala, na vontade de fazer o cliente, confortavelmente, sentir-se em casa
Bem ao estilo do poeta Antonio Sala, que em poema retrata o nosso mundo, visto  dessas cadeiras, e que a  charla de Mauricio de Souza sintetiza; “ assim formando o informal, que Deus nos acuda se disser que afirmei e  muito  menos ao contrário, porque é assim que a vida passa, na cadeira do barbeiro, num delicioso causo do banal”.

Imagem Ilustrativa
A Cadeira do Barbeiro

É na cadeira de barbeiro que a gente sabe o que sabe,
Quando se corta a ”guedelha”, quando o cabelo se abate,
Se faz o corte das unhas dos governantes, pois, pois...
E se ensaboa  a má língua, depois.
É na cadeira de barbeiro que a gente vai fofocar,
Enquanto lustra o sapato e toca, toca a engraxar.
Se dá o aparo ao bigode e à vida doutros, também...
Mas nunca se diz mal de ninguém!

É dar e dar à tesoura, e as navalhadas são mil.
É no barbeiro que a conversa é baril.
Ali se sabe sempre e em primeira mão,
O que vem nos jornais, rádio e televisão.

É na cadeira de barbeiro que a gente sabe, pois é.
Que a D. Berta e o vizinho, são só amigos... não é ?

E que o fulano da esquina, a quem se chama Doutor,
http://www.youtube.com/watch?v=w1vWIzW7nXY
Não tem canudo, não tem, não senhor.
É na cadeira de barbeiro que a gente sabe o que sabe,
Quando se corta a “guedelha”, quando o cabelo se abate.
Se faz o corte da unhas, dos governantes, pois, pois...
E se ensaboa a má língua, depois.

 

Coisa de bar. Estória.

Que dia!  Não sei se por falta  de sorte ou pela força do destino, intentei de passar ali na Independência com a Chicuta e me deparei com escombros...  Tchê! Onde está  o Bar da nossa estória, no Edificio Morandi,?  Pensei, mais um prédio sem graça em detrimento  a um espaço nobre. Triste fim de um espaço vivo que ainda mora dentro de mim.
Foi concebido  para ser lancheria também. Não tardou e logo  assumiu sua exclusiva vocação de bar. E era um bar de respeito, tradicional, com regras muito claras. Não fumante não entrava!  Venda ?  Só de bebidas alcoólicas. Essas drogas diferentes nem falar. Preservava a saúde de seus  parceiros.

De arquitetura perfeita, espaço físico na medida, que acolhia a todos confortavelmente “um em cima do outro”. Mesas dispostas de  forma a livrar  teimosas goteiras, probleminha  de todo bar que se preza. Janelas não muito grandes  mas  que permitiam  visualizar quem chegasse e movimentações externas suspeitas.  Uma porta  estrategicamente localizada nos fundos, sempre  aberta, pronta para retiradas rápidas e que desembocava  num providencial  ponto de táxi. Banheiros? Dois; para damas e cavalheiros, simples, não muito limpos, com tramelas, porém seguros.  De bar!
De nada valeria isso sem um atendimento eficiente.  O garçom,  vivido e vivo, escutava as mesmas histórias todas as noites, sempre com mulher no meio. Às vezes notava-se em seus olhos o desejo de sentar-se ali, beber alguma coisa, e também contar a sua. Triste, como todas.  Sabia das preferências de cada um.  A elegante Parker 51 indiscretamente colocada no bolso do seu colete, bem à vista, comprovava, subliminarmente, sua pseudo origem burguesa. Mas, a caneta para que? Registrava tudo na cabeça. Bem gelada, pouco gelo, muito gelo, aquela pedida com os olhos, sinalizada com os dedos, com colarinho sem colarinho. Lá pela meia-noite, assoberbado pelos pedidos e influenciado pela dose generosa e discreta da purinha que tomara, trocava tudo. E ninguém reclamava!
De temperamento indócil, ansioso, rápido, solicito, voava por entre as mesas equilibrando  aquela bandeja  prateada. Só num momento parava, cristalizava, paralisava. Era quando a vitrola tocava “Garçom! Aqui! nessa mesa de  bar você já cansou de escutar.....” Desabava num choro incontido, abraçava-se aos clientes mais próximos balbuciando alguma coisa. Um dia, melhor, uma noite, escutei que murmurava baixinho, Norma, Norma.... Choravam todos, solidariamente.
O bar literalmente vinha abaixo. Nesse momento o garçom era o personagem principal, todos o rodeavam, homens, mulheres, o porteiro, até o dono do bar. Alguns diziam “a vida é assim mesmo”,  “que ingrata”, “bandida”, um mais prático dizia “arruma outra”.  Terminada a música, como por encanto, todos se recompunham, desidratados pelas lágrimas, voltavam, copos às mãos, aos seus lugares. E o garçom, como se nada acontecera, retomava sua tarefa. Mais lépido ainda, como se sua alma fosse reabastecida.

http://www.youtube.com/embed/jZcW7T3NAbQ?autoplay=1&loop=1

E o repertório musical então! De primeira.  Verdadeiros hinos! Compostos, musicados e cantados  por gente  do ramo. As preferências variavam. A turma da purinha e da ceva gostava daquelas tipo Reginaldo Rossi; Garçom,  a que derrubava o próprio, A Dama de Vermelho,  A Boate Azul.  Já o pessoal do whiskey , mais finórios, era  chegado em Vinicius de Moraes.  Bom Dia, Tristeza, de sua marca, com a Maysa era a preferida.

 Lembrança forte. Parece-me que estou ouvindo os olhos verdes da Maysa cantarem...


http://www.youtube.com/watch?v=evGJ_4zMpyg


 Que lástima! Não sobrou nada do estabelecimento, nem mesas, garrafas, a velha Frigidaire, aquelas cadeiras, nem a comanda das penduras, tampouco as anotações do jogo do bicho, e muito menos a bandeja prateada do garçom. Completamente nada!  A não ser um antigo luminoso da Antarctica pendurado em um poste, prestes a ser engolido por uma caçamba  de recolhimento de caliça. Os Pingüins, indefesos,  percebiam-se  tomados por convulsivo choro, não pelo seu fim, visto que desaparecer é inerente à vida, mas daquela forma não, desonrosa, degradante, para quem sempre conviveu com luzes, e do alto, testemunhas  mudas e confiáveis de tanta coisa. Seria pura injustiça.
Agi rápido. Num átimo, negociei com os pedreiros, legítimos  representantes daquela bagunça no momento, inocentes instrumentos de destruição, quiçá antigos e agora órfãos freqüentadores do nosso bar.  Tomei posse daquela importante peça, única lembrança que restou e que tinha a missão de tal qual um farol visto a distância na escuridão das noites frias de Passo Fundo, apontar o caminho seguro daquele verdadeiro templo.
De saída, em pleno sol a pino, certamente em transe, embriagado  pela aura do lugar,  confuso, eufórico   com o valioso troféu, agora sorrindo,  sentindo um perfume barato inundando o ambiente misturado à fumaça  de cigarro, escutando  ao fundo  as inconfundíveis lamúrias  da  Maysa, JURO,  ACREDITEM,ouvi vozes, várias, entrecortadas, tristes, que diziam; Garçom  a saideira!
Coisa de bar.

Chiquitita pero cumplidora

foto da época enviada pelo fabricante
Cresci ouvindo  o speaker argentino, orgulhosamente, bradar  nos microfones da Rádio Madariaga, de Passo de Los Libres, Argentina, fronteira com Uruguaiana;
“Prefixo LXYR 9, Rádio General Madariaga de Passo de Los Libres, chiquitita pero cumplidora”.
O mesmo pode-se dizer desta pequena  plantadeira e  adubadeira  de tração animal fabricada pela então Irmãos Fankhauser Ltda. de Tuparendi/RS, lá pelo inicio da década de 60,  ano de 1961. Segundo informações da empresa  tornou-se carro chefe nas vendas no período.
Pequena, porém eficiente.
Dito proferido pelo poeta  A.M.Pires Cabral referindo-se a equipamento semelhante sintetizou de forma perfeita a funcionalidade desta.

foto da época enviada pelo fabricante
  
  
foto da época enviada pelo fabricante


“a mecânica é rudimentar,
clarividente e sóbria. Nada tem
em demasia; o que a função requere nada mais.”









O poeta ainda anteviu o lugar em que esta, foto abaixo,  foi resgatada por Pedro “Fogão”, no interior de Ronda Alta/RS;

Equipamento ja a salvo na "loja" do Pedro "Fogão".
“ainda está no curral,
encostada a um canto.
Já ninguém o usa, à exceção
das galinhas que se empoleiram nela
quando chega a hora de cismarem”.

A persistir naquela condição seu fim seria, sem dúvidas, o fogo, reciclada, ou a corrosão. Injusto pela sua serventia no passado.
Agora, já em minha posse, assim que passar por um "trato" será  recolocada em seu devido lugar, de destaque, para quem foi uma campeã de vendas.
Escute...http://www.youtube.com/watch?v=jliEt2JE1J8

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Tesoura Cega

É uma tesoura exemplar, centenária, resgatada por Emanuela Gaviolli, junto a sua avó Iracy Ribeiro Scheleder , agora bem recente,  na cidade de Sarandi/RS, com quem teve a delicadeza e o respeito de extrair  as informações da cronologia de sua posse.
 Tudo começou com a senhôra (acento de propósito pela época) Docelina Cruz, lá no Pontão/RS, no tempo em que Freud ainda era jovem. Passou-a para sua filha, Edite Cruz Ribeiro, que, a principio, morava na mesma localidade, tendo se transferido para Encruzilhada Natalino/RS, até, finalmente, chegar a Sarandi/RS, onde faleceu, aos bem vividos   82 (oitenta e dois) anos.
Dona Edite a passou para as mãos de  Iracy Ribeiro Scheleder, sua filha, que, nesta data, conta com 72 anos., lúcida e falante.
Interessante o depoimento de Dona Iracy quando diz que a tesoura “era pau para toda obra”, tanto cortava os cabelos dos filhos quanto servia paras as atividades de costurar. Aí nossa imaginação mais moderna nos leva a acrescentar o corte do esparadrapo, recorte de papel, cordão umbilical... e o que mais?  Sabe Deus!
Utensílios como este que se nos parecem comuns hoje, eram valiosos nos antigamente,  ensejando cuidados especiais, o que  se comprova  com a sua existência conservada e funcionalidade preservada, não obstante ter passado por gerações, até os dias de hoje.
Quem pensa que a tesoura, aparentemente fria, sem vida, não inspira sentimentos fora o reconhecimento de sua utilidade, engana-se.


É o exemplo da composição de César Costa Filho e Walter Queiroz , o samba “Tesoura Cega” , valorizado pela voz de Beth Carvalho,  que lá pelas tantas diz:

“Quem se perdeu do amor humano
é como tesoura cega
não tem mais direito ao pano”