sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Ótica da tristeza: um ensaio literário abortado



Será este um ensaio ou um triste clássico? Tenho lá minhas dúvidas. De todo modo, a tristeza é um tema que me seduz. Pensei em escrever alguma coisa a respeito, pendendo buscar mais o lado científico, suas causas, seus tipos, suas dúvidas, sexo, intensidade, procurando inspiração em algum poeta especializado, talvez nos estudos de Freud e Yung, possivelmente lendo Marimbondos de Fogo, de José Sarney. Desse dizem que é “uma tristeza só”. Talvez pudesse me dar pistas.
Desisti dessa linha. Razões? Despreparo para assumir essa intenção acadêmica e sérias dúvidas de que o tema proposto, etéreo, subjetivo, fugaz aceitaria amarras. Entendo também que poderia ficar sugestionado a assumir outras ideias, que não as minhas, maculando, portanto, a originalidade e fechando a possibilidade de, futuramente, ditar jurisprudência no assunto.
Busquei, então, inspiração em observações, na tristeza pessoal, alguma coisa que já li ou ouvi do dia a dia ou da noite, invocando a lembrança dolorida, amarga do fantasma de uma mulher viva ou, ainda, a dor do açoite de uma desilusão. Nessa direção, desde que me alimente da tristeza necessária para divagar sobre o tema.
Não esperem, portanto, uma linha racional no decorrer do texto.
A rigor o triste é um solitário. Observem. Estão sempre sós. Já viram um grupo de tristes?
Alguns, como os egoístas, trancam-se em casa, em uma biblioteca, ambientes silenciosos e curtem, egoisticamente, sua tristeza, indiferentes ao mundo exterior. A tristeza lhes sobe à cabeça. Quando estão definhando em seu estado preferencial, alimentam-no através da música e de lembranças, tanto as reais quanto – e especialmente – aquelas que gostariam de ter, como se sons e reminiscências os reanimassem a assumir, novamente, sua intensidade máxima. Seria como se injetassem tristeza na veia. Preferencialmente um dia de chuva para essa transfusão, além da companhia de Wando, Nelson Gonçalves, Maysa, entre outros, desde que especialistas no assunto. Enfim, gente do ramo.
Bem, lembranças cada um tem as suas. Desde que envolvam mulher! Ah, mulher!
Outros, como os poetas, exteriorizam seu estado de espírito. E gostam disso. Tanto que escrevem e divulgam. Apresentam tristeza efêmera, lampejos, laivos dela. E aí, quando nessa condição transitória, criam, sonham, escrevem seus mais belos poemas.
También en esta línea de la transitoriedad incluem-se os dançadores de tango, que, na lida, assumem uma tristeza fina, distinta, trágica,como um bom tango argentino, y representan em suas feições  cara de choro de lágrima. Sin precedentes, tango y bailarín !
O triste social, esse dá tristeza! Coisa mais triste um triste cantando Parabéns pra você. Ou apagando velinha! Ou sendo o orador da turma!  Mestre de cerimônia!  Ninando criança! É PATÉTICO!
E por aí afora poderemos citar inúmeros tipos.
Agora, o perfeito, o inimitável, o raro é o triste de Bar. Podemos chamá-lo, academicamente, de “o triste clássico”. É o triste em seu estado de pureza.
Quando falo em Bar, falo em Bar! Pode ser o do Moa, da Tia Carula ou do Moulin Rouge! Esse mesmo. O de Paris. Ah! E o maior deles, o do Cassino da Maroca. Nesse nível. Travestido de chinelo de dedo ou fraque.

E esse é o palco desse singular.
Ele, como sempre, solitário.
A mesa, a do fundo.
Luminosidade, penumbra.
Bebida, amarga.
Cor, roxo luxúria.
Roupa, cinza.
Sorriso, esgar.
Atmosfera, umidade.
Olhos, olheiras.
Doença, cigarro.
Lembrança, de mulher.
Ah! Mulher!  Mulheres, todas... Dele, nenhuma.
Esse tipo é um grande dissimulador.
Fala, sem dizer, que sofre ou sofreu por amor.
Olha, falando que foi desprezado,
ou que não preza ninguém.
Melhor ainda, traído.
Pior, nunca traiu.
Verdade, mentira, ninguém sabe.
Mas fica o estigma, construído.

Esse conjunto de condições e atores, e o componente principal, indispensável que traz alma ao assunto – mulher –, completam a obra e repercutem na estatura do triste. Fora desse contexto, tristes comuns. Simplesmente tristes. Sem querer desmerecer.
Esse tipo, “clássico”, é muito valorizado pelos Bares, que para sua construção contribuem com a estrutura física do lugar e até, eventualmente, liberam o garçom para que escute suas raras confidências ou penduram, ainda, indefinidamente sua conta. Em troca ostentam sua figura, com exclusividade, para completar a aura do lugar e qualificar mercadologicamente o negócio. Contrato esse constituído entre as partes de forma tácita, subscrito pelas linhas tortas, sinuosas da melancolia. Sem esse é um bar, e não um Bar. Bar sem triste, onde se viu! Completam-se. É QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA.
Como sempre, entra e sai silencioso, descolorido, esgueirando-se entre as mesas.
Nesse movimento, o piso é a passarela. Não caminha, levita.
Nesse momento, a balbúrdia, a algazarra, a cantoria cessa por segundos, em respeito quase reverencial sempre que desfila, escondendo-se para ser visto, embora sob holofotes, e da massa insana dos comuns pode-se ouvir murmúrios: “é o Tristão, o triste do Bar”, “mora no Bairro Tristeza”, “separou-se da Alegria”, “teve um caso com a Soledade”, “flerta com Dolores”, “desprezado pela Vitória”.
Gosta desse reconhecimento. Explode de tristeza.
Agora, para um triste desta laia,
glória maior seria só se, por sorte,
tivesse dolorosa morte
sufocado por tristeza
estatelado numa mesa
de um bar, a do fundo
com certeza.

Viram? Já não domino mais as palavras que saem em desalinho. Encerro por aqui. Não posso continuar mais. Sinto-me fragilizado de escrever sobre isso. Opto por curti-la. Preciso de silêncio, paz, ler alguma coisa, escutar uma música e talvez puxar lá do âmago algumas lembranças de mulher, por certo. Capitulo!




Bom dia tristeza!







Autor: Miguel A. Guggiana
Ilustração: Icio, o Cartunista 

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