Será este um ensaio ou um triste clássico?
Tenho lá minhas dúvidas. De todo modo, a tristeza é um tema que me seduz.
Pensei em escrever alguma coisa a respeito, pendendo buscar mais o lado
científico, suas causas, seus tipos, suas dúvidas, sexo, intensidade, procurando
inspiração em algum poeta especializado, talvez nos estudos de Freud e Yung,
possivelmente lendo Marimbondos de Fogo,
de José Sarney. Desse dizem que é “uma tristeza só”. Talvez pudesse me dar pistas.
Desisti dessa linha. Razões? Despreparo para
assumir essa intenção acadêmica e sérias dúvidas de que o tema proposto, etéreo,
subjetivo, fugaz aceitaria amarras. Entendo também que poderia ficar
sugestionado a assumir outras ideias, que não as minhas, maculando, portanto, a
originalidade e fechando a possibilidade de, futuramente, ditar jurisprudência
no assunto.
Busquei, então, inspiração em observações, na
tristeza pessoal, alguma coisa que já li ou ouvi do dia a dia ou da noite, invocando
a lembrança dolorida, amarga do fantasma de uma mulher viva ou, ainda, a dor do
açoite de uma desilusão. Nessa direção, desde que me alimente da tristeza
necessária para divagar sobre o tema.
Não esperem, portanto, uma linha racional no
decorrer do texto.
A rigor o triste é um solitário. Observem.
Estão sempre sós. Já viram um grupo de tristes?
Alguns, como os egoístas, trancam-se em casa,
em uma biblioteca, ambientes silenciosos e curtem, egoisticamente, sua
tristeza, indiferentes ao mundo exterior. A tristeza lhes sobe à cabeça. Quando
estão definhando em seu estado preferencial, alimentam-no através da música e de
lembranças, tanto as reais quanto – e especialmente – aquelas que gostariam de
ter, como se sons e reminiscências os reanimassem a assumir, novamente, sua
intensidade máxima. Seria como se injetassem tristeza na veia.
Preferencialmente um dia de chuva para essa transfusão, além da companhia de
Wando, Nelson Gonçalves, Maysa, entre outros, desde que especialistas no
assunto. Enfim, gente do ramo.
Bem, lembranças cada um tem as suas. Desde
que envolvam mulher! Ah, mulher!
Outros, como os poetas, exteriorizam seu
estado de espírito. E gostam disso. Tanto que escrevem e divulgam. Apresentam
tristeza efêmera, lampejos, laivos dela. E aí, quando nessa condição
transitória, criam, sonham, escrevem seus mais belos poemas.
También en esta línea de la transitoriedad
incluem-se os dançadores de tango, que, na lida, assumem uma tristeza fina,
distinta, trágica,como um bom tango argentino, y representan em suas feições cara de choro de lágrima. Sin precedentes, tango
y bailarín !
O triste social, esse dá tristeza! Coisa mais
triste um triste cantando Parabéns pra você. Ou apagando velinha! Ou sendo o
orador da turma! Mestre de cerimônia! Ninando criança! É PATÉTICO!
E por aí afora poderemos citar inúmeros
tipos.
Agora, o perfeito, o inimitável, o raro é o
triste de Bar. Podemos chamá-lo, academicamente, de “o triste clássico”. É o
triste em seu estado de pureza.
Quando falo em Bar, falo em Bar! Pode ser o
do Moa, da Tia Carula ou do Moulin Rouge! Esse mesmo. O de Paris. Ah! E o maior
deles, o do Cassino da Maroca. Nesse nível. Travestido de chinelo de dedo ou
fraque.
E esse
é o palco desse singular.
Ele, como
sempre, solitário.
A mesa,
a do fundo.
Luminosidade,
penumbra.
Bebida,
amarga.
Cor,
roxo luxúria.
Roupa,
cinza.
Sorriso,
esgar.
Atmosfera,
umidade.
Olhos,
olheiras.
Doença,
cigarro.
Lembrança,
de mulher.
Ah!
Mulher! Mulheres, todas... Dele,
nenhuma.
Esse
tipo é um grande dissimulador.
Fala,
sem dizer, que sofre ou sofreu por amor.
Olha,
falando que foi desprezado,
ou que
não preza ninguém.
Melhor
ainda, traído.
Pior,
nunca traiu.
Verdade,
mentira, ninguém sabe.
Mas fica
o estigma, construído.
Esse conjunto de condições e atores, e o
componente principal, indispensável que traz alma ao assunto – mulher –,
completam a obra e repercutem na estatura do triste. Fora desse contexto,
tristes comuns. Simplesmente tristes. Sem querer desmerecer.
Esse tipo, “clássico”, é muito valorizado
pelos Bares, que para sua construção contribuem com a estrutura física do lugar
e até, eventualmente, liberam o garçom para que escute suas raras confidências
ou penduram, ainda, indefinidamente sua conta. Em troca ostentam sua figura,
com exclusividade, para completar a aura do lugar e qualificar mercadologicamente
o negócio. Contrato esse constituído entre as partes de forma tácita, subscrito
pelas linhas tortas, sinuosas da melancolia. Sem esse é um bar, e não um Bar.
Bar sem triste, onde se viu! Completam-se. É QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA.
Como sempre, entra e sai silencioso, descolorido,
esgueirando-se entre as mesas.
Nesse movimento, o piso é a passarela. Não
caminha, levita.
Nesse momento, a balbúrdia, a algazarra, a
cantoria cessa por segundos, em respeito quase reverencial sempre que desfila,
escondendo-se para ser visto, embora sob holofotes, e da massa insana dos
comuns pode-se ouvir murmúrios: “é o Tristão, o triste do Bar”, “mora no Bairro
Tristeza”, “separou-se da Alegria”, “teve um caso com a Soledade”, “flerta com
Dolores”, “desprezado pela Vitória”.
Gosta desse reconhecimento. Explode de
tristeza.
Agora, para um triste
desta laia,
glória maior seria só
se, por sorte,
tivesse dolorosa
morte
sufocado por tristeza
estatelado numa mesa
de um bar, a do fundo
com certeza.
Viram? Já não domino mais as palavras que
saem em desalinho. Encerro por aqui. Não posso continuar mais. Sinto-me
fragilizado de escrever sobre isso. Opto por curti-la. Preciso de silêncio,
paz, ler alguma coisa, escutar uma música e talvez puxar lá do âmago algumas
lembranças de mulher, por certo. Capitulo!
Bom dia tristeza!
Autor: Miguel A. Guggiana
Ilustração: Icio, o Cartunista
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