Hoje
não vou contar causo nenhum. Quero estar só nesta mesa de Bar pensando alto. Faz
bem. Se escutarem esta conversa introspectiva me digam: tenho ou não tenho
razão?!
Namoro bom era o das antigas. Era
assim naquele tempo, lembro...
Com a prima
Do flerte com a vizinha
Do beijo apurado
Do beijo no portão
Do beijo roubado
Do beijo com açúcar, então
Do footing na praça
Pego ou não pego na mão? Que dúvida
atroz!
Como as coisas mudaram...
Meninas lindas, na melhor idade
Cabelos curtos, longos, em coque ninho
Rabo de cavalo, moda de gatinho... não
importa, sedosos
De sapatinhos de dourada fivela, humm...
Quando pisavam, suspiravam flores
Que coisa mais bela, quanta
delicadeza.
Queria um só pra mim
Para emoldurá-lo em minha retina!
De vestido, com tubinho de broderie
De saia plissada, pregueada, de tafetá,
organdi
Petit poir,
de chita, não importa, não vem ao caso
Todos eles envelopando tesouros
franzinos, virginais.
Querem mais! Querem mais!
Do corpinho acolchoado, imaginava, que
seios escondiam!
Satanás!!!! Lúcifer!!! Me protejam. O quê?
Por santos clamar!?
Não, não, eles não entendem disso.
Tetas são coisa pra diabo administrar.
Tocá-los nem falar! Só um pouquinho,
por favor, num só... Prometo que com respeito...
Lembro que um leve toque nos peitos arrancavam
suspiros de donzela em chamas
Muito mais que incêndio em Roma,
sensacional, que feito.
Medo de barata, que sensual. Aqueles
gemidos Ai! Ai! Socorrooo! Isso não
existe mais... Hoje tão valentes, que lástima.
Passou, passou, não volta mais.
Como as coisas mudaram...
Meninas lindas, na melhor idade
Muito prazer! Seus lábios, mudos,
carnudos, entreabertos, roucamente respondiam: este prazer é todo teu!
Lábios de mel, besuntados de glacê, em
carne viva, pintados com batom.
Ah! Batom! Sabor morango. Posso provar?! Não era meu? e
então, por que sonegar? Egoístas...
Te espero na saída do colégio!
Que tal um sorvete? Ah! Só se for de
baunilha. Exigentes, podiam.
Te encontro na missa!
Me autografas um santinho? Não, não,
foto do Elvis não tenho! Me nego.
Recebeu meu bilhete? Responda, por
favor! De preferência em inglês, diga:
Y love you!
Ou talvez em francês, mais chique:
Je t’aime!
Melhor, taque um ósculo no papel e me
mande. Mesmo que doa vou grampeá-lo no peito para levá-lo sempre comigo até meu
último suspiro no derradeiro leito. Juro, juro por Deus nosso Senhor! Prometo!
Assim será feito!
Era assim naquele tempo, lembro...
Esqueça, esqueça, esse tempo passou,
passou...
Como as coisas mudaram... Ou mudamos
nós... Mudamos nós.
Desculpem-me,
hoje, só hoje, minha conversa no Bar mudou de tom, estou nostálgico.
Garçom,
por favor, a saideira!
Oooo,
garçom, por que estás chorando?! Não queria que escutasse isso. Chuta a
tristeza pro lado e me atende. Depois vem, vem, puxa uma cadeira... Tens um
ombro amigo... E conta teu causo, todos nós temos um. Qual a razão? Quem foi a menina das antigas
que enfiou uma baioneta sem fio em teu coração?
Homem
de Deus, estás te esvaindo em sangue!
Estanque
esse sangramento
Tire-a
do pensamento,
|
Tenho
a receita.
Teu
caso é grave. Para esquecê-la, dê um
jeito.
Uma é
pouco.
Arrume
outras. Simples assim.
Aqui
entre nós, não sei não, não sei não.
Autor: Miguel Guggiana
Ilustração: Leandro Doro
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