Garçom, a saideira! Gazapina!
Me ajuda nesta, juro que é a última! Não! Nunca vi o Rio Passo Fundo recusar água, que tal o estado aqui do parceiro de mesa.
“Dicen que lós hombres no deben llorar por una mujer”. Isso fica bonito de dizer em letra de música. Agora, nas devas não corresponde à verdade. Homem chora, sim. Não digo aquele choro sem grife, por uma dor de uma unha encravada, um dente do siso atravessado, um furúnculo na bunda. Isso é fiasco. Por uma mulher se justifica, principalmente por uma paixão não correspondida, como no meu caso, no verdor de meus nove anos. Chorava pelos cantos da casa, não esse choro com lágrimas, mas aquele de paixão, no seco, coração cortado, sangrando, sem sutura, com uma placa de sal grosso e gotas de ácido em cima para aumentar o sofrimento e que a cada soluço rebentava com as amídalas. E essa dor causada por essa chaga aberta só dava trégua quando me envolvia treinando meu time de botão para as Olimpíadas Metodistas.
Como sofria, foi um dos melhores sofrimentos de minha vida. Ah! Como queria que aqueles dias fossem todos os dias...
Por pouco não cortei os pulsos com gilete e, pior, com uma faca de picá fumo, fio cego, ou, ainda, o que seria a glória maior, enforcar-me com um corpinho Du Loren que surrupiara do varal de roupas de uma vizinha. Esse desenlace mortal era o de minha preferência. Já vai saber o porquê! Tá dormindo?!
Bueno, ela realmente foi minha primeira paixão. Conheci-a no quinto ano primário ali no Instituto de Educação, colégio metodista. Era minha professora de religião. Embora recém-egressa da Escola Normal, jovenzinha, ainda cheirando a mimeógrafo, já era uma mulher tupida, confortável, oferecendo aos meus olhos inocentes zona exuberante localizada em seu tórax privilegiado, que podemos comparar a dois mamões papaias no ponto de douçura.
Ela tinha o costume de ministrar as aulas caminhando entre as classes, com o som de sua voz misturando-se ao toc toc dos saltinhos. Toc toc toc ttoc cott co toc oc to. Meu coração saltava quando se dirigia a mim com seu passo de gansa no melhor estilo da SS alemã, com os seios refestelando-se, abençoados pelo capeta. Embora aprisionados por um sortudo Du Loren, conseguia perceber duas cerejas maduras no topo de cada um daqueles impávidos colossos. Ah, meu Deus do Céu! Era coisa pra passá a mão com luvas de pelica! Algodão doce puro!
Nesse caminhar é que tava o problema! O Santo Antonio! Me matava de ciúmes. Ela era devota do Santo Antonio, devoção evidenciada pela medalhinha que usava com a figura do dito dependurada numa correntinha. E a cada passo a medalinha ia e vinha, vinha e ia, e vice-versa e versa-vice. E quando podia introduzia-se na fenda que a blusa oferecia, fazendo tantas acrobacias para isso que deixaria um trapezista do Circo de Soleil no chinelo. A medalhinha entrava Santo Antonio e voltava Tonho, deixando no meio daquelas carnes a batina, os santinhos e os votos de castidade. Retornava extenuado, entregue e com um sorriso irônico dirigido a mim. Juro que é pura verdade! Pura verdade! Não dá prá acreditar em Santo! Muito menos em santo de medalhinha!
“Menino, leia o trecho de um dos livros do Pentateuco”.
Faria tudo por eles. Levantava-me lentamente, desafiador, ficava tete a tetas, sentia seu hálito de chicletes de gardênia, visualizava seu sorriso tipo Kolynos emoldurado por aqueles carnudos lábios escarlates e percebia suas palavras, sem exagero, dançando por sobre notas musicais. Inolvidável!
“Menino, vamos, leia! Acorde! O Pentateuco! Quero traduzido, traduzidooo!!!”
Transformava-me, sentia-me o Collor discursando no Senado do Império Inca para um montão de filisteus comunistas, e, no entanto, era um pequeno mancebo hipnotizado, subjugado, refém daqueles montículos endemoniados de uma mulher professora tupida, confortável... como já disse. Plenamente justificável. Se tu visse... é de não acreditar.
Exercia um poder enorme de autocontrole, traduzir a leitura do texto do raio do Pentecostes do grego para o esperanto, não responder às implicações do Tonho e, o principal, ainda lambuzar-me com a paisagem próxima que se me oferecia tudo ao mesmo tempo... Meu Deus! Coisa de Juan Peron! Coisa de Juan Peron! Só eu mesmo...
Uma pergunta? Claro, tamo conversando. Se ela era metodista, como poderia ser devota de um santo católico?
Puta merda, arrumei um parceiro de mesa detalhista, não fala nada e quando fala se atém a minúcia. Estragam uma boa história por nada.
Vou disfarçar...
Tu sabes que o culpado dessa quase tragédia foi o Reverendo Pinheiro, diretor daquele Colégio. Na seleção de uma professora de religião o perfil recomendado é de que seja o de uma mulher com a beleza interior acima de qualquer suspeita... Que incompetência deliciosa!
Garçom, a penúltima saideira! Gazapina! Quien dice que lós hombres no lloran por una mujer? Passa a garrafa...
Seu Zanette,
Tô me metendo neste texto só para alertá-lo, pois o contador dessa história disse que vai publicar essa conversa no Projeto, negócio aí dos escritores de Passo Fundo. Acho que o cara não bate bem da cabeça e quando bebe amolece mais as ideias. É um solitário, fala sozinho como se alguém estivesse com ele. Não é o mesmo que escreveu As normalistas do Notre Dame?!
Prá mim é loco de atá com arame farpado. Abre o olho.
Assinado: o dono do Bar
A música não poderia ser outra! escute...
Autor: Miguel A. Guggiana
Ilustração: Leandro Doro
Belo texto. Se não for por mais razões vale pelo estilo alegre e brejeiro. Gostei.
ResponderExcluirOi Domper
ExcluirAté eu acredito nessa história. Obrigado pelo comentario gemtil.
domper
ExcluirInforme seu endereço. Mandarei impresso.
Obrigado.