sábado, 7 de abril de 2012

À sombra do poeta


Passeando no livro de poemas, Fugaz Idade,
 detive-me em um deles, especialmente,
Mulher só, que fala de uma, 
na mesa de um bar, em um schopping.
Determinei-me a interferir no seu destino,
 com a cumplicidade do autor,
 buscando como caminho para isso sua própria obra.
 Encontrei--o na riqueza de seus poemas,
 escritos em épocas distintas e
certamente em fases de diferentes inspirações, 
que traduzi em uma crônica, “colando”, simplesmente,
alguns em sua totalidade,  outros,  fragmentos.  
O poema que finaliza, Começos, não define o desfecho, sutilmente,
 coloca ao arbítrio  de cada leitor o enfoque que queiram dar;
“ bonito, doloroso  ou  indiferente”. Decida!





À Sombra do Poeta

 Fim de tarde horrível, contudo, conseguiu chegar são e salvo. Mau tempo e trânsito infernais. Agora, devidamente instalado, olhava pela janela a Avenida Sete.  Com o tempo assim sentia-se melancólico. Evocava o poeta: “A chuva é triste como minha alma; chora por dentro. Cai como uma prece no coração de Deus que se esquece dos pedidos que lhe fiz”. Lamentava a solidão: “Todos os telefones para os quais liguei estavam ocupados, usuários não encontrados, meus amigos tinham outros compromissos. Todos os telefones para os quais liguei não me deram a resposta que eu esperava – Ok, vamos tomar aquele chope! É sexta-feira. A semana acabou. Sobrevivi! E não  há ninguém com quem eu possa dividir esse momento. Mulher e filhos não contam. Eles são suspeitos; vivem de mim. Os amigos ou a amante que eu queria não existem, estão ocupados ou simplesmente não foram encontrados. Sexta-feira, embriagar-se, às vezes é inevitável”. 
Sorumbático, pensava: “Já não estou mais acostumado como antes a andar sozinho. Já não tenho – como antes – os sonhos que me serviam de companhia.” E de novo lhe ocorria: “Quando eu tinha todo tempo do mundo a meu favor podia fazer com ele o que bem entendesse. Hoje quando o tempo escasseia para mim já não posso dar-me ao sabor de fazer com ele o que bem entender. Vai me faltar se dele abusar e a vida escorrerá por minhas mãos. Já não posso dar vazão a toda sorte de experimentação. Cabe-me ser preciso, objetivo e assertivo nos meus propósitos de ser. De outra sorte hei de morrer antes de viver – antes de ter vivido.”

Foi quando a viu, solitária, destacando-se na balbúrdia. Quem sabe Deus não o havia esquecido?!  Atenderia seu pedido?!  Não seria ela o motivo para deixar de andar sozinho? Um sonho vivo a lhe fazer companhia, nesta sexta-feira. Redenção das suas vicissitudes.

“Mulher só na mesa do bar – na verdade não na de um bar mas na desse fenômeno moderno chamado shopping, praça da alimentação. Então, mulher só na mesa de um lugar público não tens do que te constranger.

Relaxe e aproveite a solidão, o chá, o café, o chope, seja o que pediste. Faz parte de nossa condição de homens e mulheres, estarmos sós às vezes na mesa de um bar, shopping, praça da alimentação. Nenhum homem a quer? Ninguém está pensando nisso. Não tem amigos? Há homens que também não os têm. Tem medo dos inconvenientes? Não existem mais homens tão ousados. Mulher só na mesa de bar – vou chamar assim, soa melhor -, não tens do que te envergonhar”.   
Arriscaria ele ser um desses inconvenientes?
Cometeria a  loucura, antes que outro louco? O outro que outras loucuras podia?
Levantou-se da mesa, se encheu de coragem e pensou:  “Não tenho mais medo; 40 anos não são como 20. E embora tenha perdido um tanto/muito da vida nisso nunca é tarde para descobrir; é possível ser feliz.” 
Não perderia mais tempo.  Aproximou-se da moça gentil que lhe... “sorriu, sorriu, sorriu/como um rio, um rio, um rio, um rio que corre pro mar, o mar, o mar, o mar. Para amar, amar, amar, amar. Foi o que sentiu, sentiu, sentiu, sentiu...”

“ - Tá esperando alguém?
- Não.
- Senta aqui, tomar uma cerveja comigo.
-É que eu já tô de saída.
- Não tem problema. Quando for pra tu sair, tu sai igual.
E assim começa a conversa que pode ser o inicio de uma nova história de amor, entre um homem e uma mulher. Uma história que pode ter um desfecho bonito, doloroso ou indiferente, ou se estender ao infinito, através das gerações que vão surgir.
http://www.youtube.com/watch?v=LguXr6Zl-ZU&ob=av2e
O imponderável da vida e o aleatório das coisas – como elas acontecem, assim se revelam.
É só começar.”







Autor: Miguel Guggiana.
Ilustração: Leandro Dóro 

Poemas extraídos do livro Fugaz Idade, de Júlio Perez.  Ed. Berthier, Passo Fundo, 2010.

Um comentário:

  1. Guggiana, ficou muito legal! A ilustração então, captou com perfeição o momento desta mulher. Parabéns e obrigado!
    Um grande abraço
    J.

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